Para o bom desenvolvimento da primeira infância, ou seja, nos seis primeiros anos de vida, é necessário que seja respeitado o tempo certo para as três primeiras fases neste período que são: andar, falar e pensar. Quando nasce, o organismo da criança ainda não está pronto. Todos os órgãos em seu corpo irão terminar a formação até os seis anos, contando com as forças plasmadoras (forças formativas) e outras forças. Este processo acontece de maneira rítmica acompanhando a respiração. A criança exterioriza todo este ritmo que está acontecendo em sua formação. Quando anda, brinca e fala, ela expressa esse movimento interior tão intenso pelo qual está passando nesta fase. Pode-se dizer que a criança vive dentro do ritmo. Ela é puro ritmo. Juntamente com as forças plasmadoras, atuam as forças plásticas musicais, sendo esta última proveniente do ambiente externo criado pelos educadores. Este ambiente criado vai ao encontro das necessidades musicais da criança. Assim como as forças plasmadoras estão acabando de formar todo o físico, as forças plásticas musicais estão, também, atuando nesta formação física e são capazes de transformar este processo. É importante ressaltar que tudo o que está sendo formado neste período será carregado por uma vida inteira.
O trabalho que é realizado dentro de um jardim de infância Waldorf propicia este caminho saudável à criança. No dia-a-dia das classes, o brincar livre ocupa a maior parte do tempo em que a criança fica na escola e é neste momento que ela vivencia tudo que é necessário para o seu bom crescimento físico e intelectual posterior. Além do ato de brincar tão importante para a criança, realizam também: trabalhos manuais; atividades artísticas; vivenciam o momento da história através dos contos de fadas; teatro de fantoches; roda rítmica; bem como brincadeiras direcionadas. Toda vez que o professor canta, ele procura criar um ambiente musical pentatônico (música pentatônica) e de quintas, sendo este último o intervalo musical criado entre a primeira nota, o Ré, e a quinta nota o Lá. Ao soar este intervalo cria-se o ambiente de quintas. A música pentatônica é aquela que possui intervalos musicais inteiros. Dentro das escolas Waldorf é usada a escala pentatônica de Ré. Existe também a musicalização direcionada às crianças mais velhas da classe, que é feita por um professor de música. Neste momento o instrumento usado é a kântele (pequena Lira feita em madeira com sete ou dez cordas de aço afinadas na escala pentatônica de tom Ré). Nesta aula, o professor de música usa como ferramentas o ritmo e a imitação para trabalhar as canções desejadas. Com a kântele o professor de jardim também pode atuar no momento de contar a história, fazer o teatro e até criar um ambiente para tocar canções que possam acalmar as crianças.
Quando nasce, a criança traz consigo uma musicalidade muito grande, porém o ambiente musical corriqueiro e os ruídos constantes podem frear esta capacidade musical nata que a criança possui. Dentro do trabalho musical realizado nos jardins Waldorf com a música pentatônica e o ambiente das quintas, o professor pode resgatar esta intimidade sonora existente na criança. A combinação de todas estas atividades proporciona à criança um ambiente saudável e até terapêutico. Como a criança é pura imitação e ritmo neste período de sua vida, ela acaba imitando não somente os gestos exteriores (como brincadeiras, atitudes de adultos que com ela convivem, etc.), mas também o que acontece interiormente com as pessoas que estão ao seu redor. O ambiente musical criado nos jardins Waldorf possibilita que as influências exteriores e interiores recebidas pela criança sejam transformadas em atitudes salutares. Para que esta musicalização ocorra de maneira natural, os educadores devem primeiramente desenvolver um trabalho de reencontro com a música pentatônica e suas propriedades. Este reencontro deve ser feito de maneira muito especial. O educador deve deixar-se levar pela maior qualidade existente dentro da música pentatônica, qual seja, o amor incondicional. Esta qualidade tão importante está intrínseca nesta música por ter o tom Lá como centro. O Lá é o tom do coração segundo a euritmia, sendo este o órgão responsável por levar a vida, o calor e o sentimento ao homem. O coração é o centro de todo o sistema rítmico do corpo. O ambiente de quinta traz à criança um aconchego, um calor amoroso, que é regido pelo mesmo tom Lá.
O instrumento mais propício para se transmitir esta amorosidade é a voz. Só ela tem a capacidade de criar este ambiente amoroso com muita intensidade na criança. Ela deve ser clara e límpida para que a criança possa imitá-la. O trabalho com a kântele deve ser um ponto de partida para se resgatar o ambiente de quinta dentro do professor. O apoio pedagógico neste instrumento proporciona ao adulto a oportunidade de desenvolver em si os sentimentos mais puros possíveis e só assim transformar sua voz num canal que leva às crianças todas as propriedades musicais inerentes a pentatônica, deixando-as imbuídas neste grande amor caloroso.
A kântele tem um significado belíssimo em sua criação. Pelo que sabemos, surgiu na Lituânia e era utilizada em danças; para se contar histórias; e ninar as crianças antes de dormirem. Ela é um instrumento delicado e possui um som muito suave que busca exteriorizar a sutileza sonora existente no interior de cada indivíduo. Outrossim, ressalta-se que na Pedagogia Waldorf existe o princípio da educação de proporcionar à criança a vivência de todo o processo do caminho da humanidade dentro de sua biografia. No ensino infantil isto não acontece de maneira diferente. Estudando detalhadamente cada idade da criança, pode-se perceber que ela passa, por cada período das épocas culturais. Analisando musicalmente cada época cultural, pode-se dizer que em cada período as vivências musicais atuaram de maneira diferente no homem e, comparando estas vivências com a idade da criança desde a gestação até os seis anos, pode-se dizer que ela se identifica com certo período cultural. Isto também se repete nos próximos setênios. Por este motivo trabalha-se no ensino infantil com a escala pentatônica, que é tida como a primeira escala conhecida pelo homem, ou seja, a escala primordial. Quando a criança nasce, ela se encontra no intervalo da quinta.
Como foi dito anteriormente, a criança é toda ritmo nesta fase. O ritmo vive no interior da criança como necessidade anímica. A música pentatônica e o seu específico intervalo de quinta (Ré-Lá) ligam-se diretamente com o sistema rítmico de todas as pessoas e principalmente com o da criança. Como já relatado, a nota Lá é o tom que rege o coração. Quando o educador desenvolve um trabalho neste sentido, ele está contribuindo para a formação benéfica deste sistema rítmico na criança. Ao cantar, cria-se este ambiente protetor e amoroso que a criança necessita para um desenvolvimento sadio e entra-se em seu mundo interior, ajudando-a na formação de todos os órgãos vitais e todo seus sistemas: digestório, respiratório e circulatório.
A música materializa-se nos intervalos e tons, criando um “desenho musical” no espaço onde ela penetra. É justamente esta organização intrínseca dentro da música que forma as forças musicais que em conjunto com as forças plasmadoras irão trazer todos os benefícios à criança. Por final, conclui-se que todo o trabalho pedagógico que se desenvolva com a criança neste período (primeiro setênio) da vida infantil e que seja permeado pela música pentatônica acima referida, contribui profundamente para o desenvolvimento completo de um ser humano livre e aberto para a vida.
Autora: Elaine Facchim Campana